Nem tudo se resume aos canabinoides quando se fala em Cannabis. Ainda que o potencial terapêutico do THC e CBD apareçam com força nas pesquisas científicas, há muito a ser estudado nos mais de 500 compostos químicos da planta, cada qual com suas propriedades terapêuticas.
Mais do que isso: falta ainda à ciência comprovar como a junção de vários desses compostos interage no organismo e potencializa seus efeitos terapêuticos. É o que o médico Dr. Raphael Mechoulam, considerado o ‘pai da Cannabis’, batizou como “efeito entourage”.
Em 1998, o renomado cientista, junto com Shimon Ben-Shabat, publicou um artigo confirmando evidências sobre esses efeitos. De acordo com ele, o sistema endocanabinoide reagia melhor estimulando ainda mais a atividade dos endocanabinoides, quando a Cannabis estava composta de vários elementos, ainda que inativos, e não apenas um.
Em outras palavras, um remédio com teores de THC e CBD – ou a união de quaisquer outros compostos – funcionaria melhor do que um óleo com apenas um desses canabinoides. É fácil entender o motivo: se cada elemento gera um efeito diferente no organismo, isolar os elementos reduz a gama de possíveis resultados terapêuticos.
Pense na relação entre THC e CBD. Segundo relato de pacientes com dores crônicas, o primeiro surte mais efeitos na redução do sofrimento do que o segundo. Só que o THC traz efeitos psicoativos – e nem todo paciente pode ou quer se sentir chapado. Até porque cada pessoa reage de formas diferentes.
A psicoatividade da Cannabis pode aumentar a ansiedade em alguns. E aí entra o papel do CBD: ele tem o potencial de reduzir os efeitos psicoativos do THC. Ou podem, juntos, atuar ainda mais na melhora da dor.
Em 2010, cientistas convidaram 177 pacientes oncológicos que, apesar do uso de opioides, sofriam com dores causadas pelo câncer. Alguns tomaram, ao longo de duas semanas, um remédio com as mesmas dosagens de THC e CBD, outro apenas com THC, e um terceiro grupo recebeu placebo.
Quem mais relatou alívio foram os pacientes da primeira turma, que receberam doses de THC e CBD.
Mas não é apenas a interação entre os canabinoides que pode fazer diferença. A Cannabis tem outros tantos elementos, entre eles flavonoides e terpenos. Mais uma vez, cada um deles têm suas propriedades terapêuticas.
Ação dos terpenos no efeito entourage
O neurologista Ethan Russo, renomado pesquisador na área de Cannabis, revisou uma série de estudos para avaliar esses compostos e escrever sobre o “efeito entourage”. E ele cita, entre outros casos, o limoneno, um terpeno que dá o cheiro cítrico característico do limão e laranja, e que também está presente na Cannabis.
Testes realizados com ratos sugerem que esse componente químico pode funcionar como ansiolítico – ou ainda ser usado como inibidor de células de mama cancerígenas. Já o mirceno foi capaz de criar um relaxamento muscular nos ratos. Por ser sedativo, costuma ser usado na Alemanha para ajudar pacientes com insônia.
Outros terpenos podem fazer ainda melhor em parceria com demais componentes da Cannabis, segundo Russo. Um exemplo é o tratamento da acne. De acordo com o pesquisador, o CBD “oferece grande promessa de atenuar o aumento da produção de sebo na raiz patológica da acne”.
Somado a outros três terpenos – limoneno, linalol e pineno -, que inibem a proliferação das
bactérias Probionibacterium acnes, responsáveis pela formação de espinhas, podem fornecer um remédio completo.
“Considerando a mínima toxicidade já conhecida do CBD e dos terpenoides a essas descobertas (citadas acima), novos tratamentos contra acne usando extratos com predominância de CBD, por uma via múltipla de alvos, podem apresentar uma abordagem terapêutica nova e promissora, com riscos mínimos em comparação à isotretinoína”, escreve Russo.
Isotretinoína é o remédio usado para tratar acne. Mas é tão agressivo que o uso durante a gravidez não é recomendado.
Ainda faltam muitas pesquisas para avançar nas descobertas sobre o efeito entourage. Mas com a legalização da Cannabis em diversos países, a tendência é que novidades apareçam em breve – e com mais frequência do que nas últimas décadas.
FONTES
https://bpspubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/pdf/10.1111/j.1476-5381.2011.01238.x
http://files.iowamedicalmarijuana.org/petition/2012/Johnson_2010.pdf